solidão: caminhos de um sentimento banal
16.05.24
acho contraditório o sentido de querer possuir uma autonomia sobre si mesmo quando se luta contra uma sensação forte de solidão intermitente. é como um ciclo, uma história repetida que você reescreve várias vezes tentando achar um final melhor, que nunca vem.
o dia amanhecia ameno. a objetivez do quarto dava a sensação que um dia iluminado e trivial costuma ter. uma percepção de renovação: era apenas mais um dia. com as cortinas escancaradas e as janelas altas expostas sob um novo dia, alguns feixes de luz davam as boas vindas. abri meu notebook. preciso escrever. essa é uma das poucas coisas que me faz sentir reconectada comigo mesma. estranhamente terapêutico. muitas vezes eu vejo que paro por um tempo e claramente essa chama volta me dizendo "está vendo? você precisa disso". acho que preciso mesmo. se nós vivêssemos em um mundo onde todas as profissões te levassem longe simplesmente por amor ao que se faz, então eu seria o próximo Arthur Conan Doyle da vida ou chegaria perto de ser um Joel Dicker. com essas referências fica fácil saber qual o meu gênero literário favorito. não estou brincando, eu moraria em uma biblioteca se pudesse. talvez eu possa usufruir dos meus dotes arquitetônicos um dia para trazer à realidade essa possibilidade que por enquanto, só vive flutuando em pensamentos dispersos. a poltrona ao lado da cama parece me encarar por alguns segundos. reparo bem nas fissuras do couro desgastado e me pergunto há quanto tempo ela se encontra naquela mesma posição. elas dão vista para a rua e me deixam observar o perambular das pessoas que atravessam, correm e andam devagar enquanto falam ao telefone. imersas em seu próprio mundo, como eu, e quase consigo ouvir os sussurros de suas mentes a todo o vapor. é esse murmúrio urbano que ecoa pela alameda da Victoria Street que se mistura com as minhas reflexões. é curioso como observar a vida acontecer dentro de mim me faz sentir tão conectados por um instante e de repente, tão isolada e deslocada do mundo. quem sou eu, afinal?
eu não sou ninguém. em meio à multidão. às vezes, me pego imaginando as histórias que cada uma dessas pessoas carrega consigo, os sonhos, os medos, as alegrias e as tristezas que preenchem suas vidas. pequenos universos em constante movimento, cruzando-se brevemente antes de se perderem novamente no mar de rostos desconhecidos. volto minha atenção para o notebook à minha frente: ainda páginas em branco. meus dedos repousam sobre as teclas esperando para dar vida às palavras que dançam em minha mente com uma coreografia desordenada. aqui cada traço é uma ponte entre o meu mundo interior e o exterior, uma tradução do caos das minhas emoções em algo tangível, palpável. entretanto, tenho cá comigo momentos que nem mesmo a escrita parece ser suficiente para descrever o eco que habita entre elas. uma sensação de incompletude que persiste apesar das palavras meticulosamente escolhidas. um suspiro escapa com estafa enquanto recuo da beira do abismo dos meus pensamentos e volto ao presente. a rua continua a pulsar com vida lá fora. a verdade é que a solidão não se trata apenas uma ausência de companhia ou de algo físico. ela é uma desconexão com a nossa pessoa. ela é uma busca por algo que traga um sentido de pertencimento, mesmo rodeados de pessoas. cada passo é um empenho e cada suspiro tem uma certa angústia silenciosa. eu gostaria de poder conversar com a minha versão do futuro, para me guiar através dos labirintos e encontrar alguma certa esperança. no fundo, sei que essa é apenas uma ilusão fugaz, mas não deixo de pensar. e assim, perdida em um mar de incertezas, questiono quem sou e por que sou assim. não há respostas fáceis, não há soluções simples para tais tipos de enigmas.
desci as escadas sinuosas do hotel: um prédio antigo do século dezoito, com toque frio de rochas lapidadas em um perfeito ângulo congelado de arquitetura. a porta era de madeira, e rangeu ao ser empurrada. parecia ter histórias a serem contadas sobre aquele lugar.
as fachadas coloridas das lojas criavam um contraste vibrante com o tom austero das construções circundantes. livrarias aconchegantes e cafés convidativos se alinhavam ao longo da rua, cada um exalando um charme único e acolhedor. minha atenção fora captada, estava por inteira nessa cidade. a tentação de entrar e me perder entre as prateleiras de livros era grande, mas resolvi seguir a persistente curiosidade de encontrar novos cantos escondidos entre as pedras de Edimburgo. geralmente nos meus sonhos sempre quero escapar para cá. me parece o lugar perfeito e introvertido na certa, apesar de se tratar de uma cultura com grandes valores artísticos como duelos e danças. isso não é nada introvertido. sentei-me em um banco de seixo e observei a vida passar. as crianças corriam felizes, como se não houvesse um amanhã previsível de rotina e manias corriqueiras. casais de mãos dadas e idosos em grupos. imaginei a vista como um teatro a céu aberto, onde cada pessoa era um personagem desempenhando uma papel na grande peça da existência. enquanto me perdia em reflexões, uma brisa suave trouxe o perfume das flores de de pães recém assados. hora de comer algo. Edimburgo, com sua dualidade de sombras e luz, solidão e conexão, continua a me fascinar e inspirar e é um reflexo perfeito das contradições que habitam em mim.
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