café e silêncio

 


19.12.24


caminho para dentro, onde só eu me escuto. o meu toque é o próprio alívio que eu anseio e o mundo enfim , me cabe nas mãos. é estranho e doce, esse silêncio suave. me refaço em pequenas doses e de tempos em tempos. não é peso, nem dor mas uma liberdade sutil. um sussurro sereno de quem aprendeu a ficar. 


fiquei ali, com o copo esfriando entre as mãos, olhando o vazio do cômodo à minha volta. era estranho sentir uma calma tão densa, quase impenetrável, principalmente depois de tantas dúvidas. mas agora havia uma certeza nova pairando ali, como se finalmente eu estivesse em paz com essa realidade. sozinha, mas inteira.

havia uma voz me lembrando que o mundo lá fora continuava indiferente aos meus dilemas internos. a vida não se interrompe para ninguém. pode soar cruel, mas, se soubesse ouvir, haveria ali uma lição preciosa. resolvi esperar pelo fim em silêncio. aqueles pensamentos seriam devolvidos a seus respectivos momentos, mas nunca apagados da minha história. levante-se e esqueça, disse a mim mesma. foi precioso, aquele momento em que a razão veio à tona. 

olhei para o relógio. o tempo seguia. no fundo, era quase reconfortante perceber que ele não se importava com minhas feridas, isso também me dizia inconscientemente que tudo bem falhar. na maioria das vezes as pessoas nem irão notar. cada um se concentra em sua própria batalha. não sei se em algum momento fez sentido estar ali ou se estava cega de esperanças inúteis. acho que por um tempo fugi da minha tenra essência. ao tentar me encontrar em algo, talvez tenha me perdido em alguém e esqueci do que sempre esteve ali, do que sempre fez parte de mim. eu não gostaria que isso acontecesse de novo e isso me faz pensar em como eu sempre estive em busca de um lugar seguro para ser vunerável. mas o que é confiável, afinal, senão nós mesmos? nosso verdadeiro embargo aqui é buscar algo no externo. algo que muitas vezes de maneira inconsciente. é perigoso. 

gostaria de deixar claro para mim mesma que, enquanto tive medo de perder as pessoas, esqueci de que eu também era uma grande perda. ninguém tem o melhor de mim duas vezes. e essa sou eu, caminhando em uma estrada de brumas, onde a luz parece sempre oscilar, nunca sei o que poderei encontrar mas sigo pronta para ir embora. minha intuição é uma bússola invisível. eu sinto o mundo em camadas. nada é apenas o que parece. cada gesto, cada palavra, traz consigo um eco de intenções, uma corrente de significados submersos. eu vivo no limiar entre o que é e o que poderia ser, como se meus olhos enxergassem as raízes das árvores e o destino das folhas antes mesmo que o vento sopre. mas a beleza das folhas não sei para onde foi. temporiamente perdi a capacidade de enxergar as cores, e talvez esse seja o grande sinal de que preciso voltar ao meu recanto, e não deixar que a visão de alguém sobre mim se imponha sobre isso. além do mais, estive pensando, as pessoas não mudariam por mim, então, porque faço isso por elas? isso me esgota. o mundo em si parece ter se tornado excessivo. as pessoas, os objetivos, até mesmo os ideais se perderam. tudo hoje é caótico e para quem sempre se pergunta qual a melhor direção, é difícil responder aonde ir. 

tudo é transitório, e, em meio a essa correnteza, comecei a vislumbrar algo que sempre havia negligenciado: o silêncio. e agora peguei o meu fio de Ariadne, a corda que me guia para fora do labirinto. vai me levar um tempo, mas irei conseguir sair destes pensamentos. tentei me ajustar à maneira que me pediam, na esperança de ser alguém melhor para quem amo, mas cada vez que fazia isso, mais partes de mim se perdiam no processo. e agora, estou confusa.

eu me pergunto: o que sinto ainda é amor? ou é um hábito, um medo de soltar as amarras, um eco do que já foi, mas não é mais? tento escutar meu coração, mas ele parece falar uma língua que ainda não decifrei. eu tentei agradar e me adaptar, mas que esqueci de perguntar a mim mesma o que eu queria, o que eu precisava. agora não sei mais. 

meus olhos perpassam por todo o ambiente ligeiro que vejo, sempre em movimento, nunca do mesmo jeito. o aroma do café fresco envolvia o ar, como um abraço e um toque gentil de um alguém conhecido. o ranger das cadeiras claras de madeira, ressoavam em meus ouvidos, me trazendo de volta ao meu estado presente. pensei em quantas vezes havia deixado esses meus pequenos rituais de introspecção intensa e em quantas vezes senti falta de recarregar minhas energias em uma reservada conversa comigo mesma. as paredes são cobertas por um revestimento de tijolos aparentes, que dão uma mistura de rusticidade e aconchego ao local, enquanto uma grande veneziana arqueada deixa a luz natural adentrar o espaço e revela o movimento incessante da cidade lá fora. e eu estou aqui, neste mesmo lugar. na mesma cafeteria calma dos meus sonhos. estou aqui, neste lugar, que talvez nunca conhecerei um dia. aqui estarei por muitos anos de minha vida, pois aqui é o lugar de regresso à minha consciência. este, e todos os outros que criei enquanto digitava. sempre era possível ver algo novo ou as mesmas coisas com outros olhos. 

as mesas se preenchiam com fragmentos de histórias. um casal sussurra palavras que só eles entendem. um homem de terno digita furiosamente em seu laptop, como se o tempo estivesse contra ele. e uma mulher ao lado, rabisca em um caderno, perdida em pensamentos e ideias criativas. observar as pessoas aqui é como montar um mosaico de vidas que nunca se encontrarão. 

enquanto tudo isso acontece ao meu redor, meus pensamentos vagam. estou de volta ao interior, mas a dúvida que carrego em meu peito parece se misturar com o burburinho das conversas e o tilintar das xícaras. 

penso nele. penso em nós. percebo que, assim como esse café, construído com tanto cuidado para criar um espaço acolhedor, também tentei construir algo bonito, mas agora, olhando para dentro de mim, sinto que as fundações já não sustentam o que um dia sonhei. "será que quero mesmo esse futuro?" a verdade, tão difícil de admitir, é que não sei. é estranho estar aqui, cercada por tantas histórias em movimento, e sentir que a minha está estacionada, presa em um limbo entre o passado que não quero perder e um futuro que já não consigo desejar, que está confuso.

eu vejo o ambiente ao meu redor com clara precisão. as molduras das janelas têm um desgaste de tinta que contam anos de uso. o balcão de serviço, com seus potes de grãos e xícaras alinhadas, parece bem planejada e sólida — o oposto de como me sinto. é triste pensar nisso, mas parece que perdi a vontade. não consigo mais visualizar um "nós" no futuro sem sentir uma espécie de peso, enquanto vejo o mundo ao meu redor tão vivo e tão em movimento.

escrevo para organizar o caos dentro de mim, para tentar dar nome a esses sentimentos que me invadem entre goles de café e olhares lançados à arquitetura desse espaço. talvez, de alguma forma, isso me ajude a entender se ainda há algo a salvar ou se o melhor que posso fazer é aceitar que nem todo amor dura para sempre.

o amor deveria ser um refúgio, mas, às vezes, sinto como se essa tranquilidade refletisse minhas próprias dúvidas, minha própria falta de paz. ele se entrega à simplicidade do "agora", enquanto eu fico presa em uma rede de pensamentos: "isso é suficiente? isso é o que quero? estamos indo na mesma direção? pois eu sinto que não estamos"

cada diferença entre nós parece crescer, ganhar peso, como se pequenos detalhes tivessem se transformado em abismos. o que antes era uma complementaridade bonita, agora parece um conflito silencioso. mas o que devo fazer? ele sempre esteve ali, como um companheiro fiel, preenchendo os espaços que as palavras não conseguiam expressar. precisei de um tempo para me entender com isso mas é um fato inegável, inútil fuga, tentar explicar de outra maneira.

respirei fundo. 

preciso construir algo. algo que não dependesse de ninguém. um mundo só meu. 

Comentários

Postagens mais visitadas