o som das chaves
08.01.25
algumas histórias são deixadas para trás antes mesmo de começarem. os motivos são diversos, mas nem toda narrativa precisa ser contada até o fim. carregamos as lições e seguimos em frente, deixando os rascunhos no fundo de gavetas esquecidas. assim é a vida.
o dia amanhecia. os raios de sol penetravam as cortinas do aposento como se uma vida nova recomeçasse a cada dia. minha xícara de café estava na mesa. seu vapor quente subiu suavemente, desenhando suas mais puras formas no ar e criando um véu sob minhas lentes, como se me forçasse a enxergar sobre uma outra perspectiva. algo além do óbvio. eu costumava levar a manhã toda para esvaziá-la, sentia o gosto com calma, saboreava e notava seu amargor, como mentiras vestidas de palavras bonitas. ainda estava ali, tentando me livrar dos mesmos pensamentos obsessivos e das mesmas análises minuciosas, mas eu estava lá, de novo, me vendo tentar desmanchar nós e dúvidas que eram pescadas.
porque nos sentimos tão culpados? porque pensamos tanto?
realmente queria saber a resposta. acho péssima essa sensação, de pensar compulsivamente, principalmente sobre situações das quais não temos controle nenhum. não conseguia entender essa necessidade. essa busca por explicações que aliviassem um pouco meu estado ansioso.
levanto a tela do computador e digito a senha. resolvo conferir minha agenda digital para a semana.
nada. quando foi que me tornei assim?
não me lembro da última vez em que tive essa sensação de estar à deriva, onde há a consciência de uma imensidão mas você hesita qual direção escolher. abro a pasta de fotos do computador. clico em uma das mais antigas, datada há alguns meses atrás. lá estava ele sorrindo para a foto, seu braço esquerdo envolto em minha cintura como se fossemos um casal feliz, veterano, vencedor de batalhas e desafios afetivos. não éramos. não fomos. perdemos essa batalha e eu não entendia bem o porquê. fiquei me questionando, pois tinha a convicção de que ele era a resposta que eu procurava.
mas talvez ele tenha sido apenas uma pergunta. uma daquelas que surgem sem que ninguém tenha feito, mas que, de repente, passam a ocupar todos os espaços vazios do dia. percebo, agora, que há vínculos que não carregamos pelo resto da vida. algumas pessoas romantizam isso, eu mesma já utilizei tal fuga para me convencer de que não foi culpa minha o fracasso de uma relação. eu sempre fugi e ninguém nunca teve paciência pra ficar. na verdade, depois de um certo tempo, os vínculos e as lembranças que carregam um teor afetivo se desfazem por completo — eles mudam de forma, como a fumaça do meu café que sobe pela manhã: não desaparece, mas se dilui no ar, se desfaz e se infiltra em outros pensamentos.
continuar tentando entender é como abrir uma gaveta trancada com todas as chaves erradas. insisto, reviro, me machuco. às vezes, tudo o que resta é aceitar que não se trata de encontrar a chave certa, mas de deixar a gaveta fechada, respeitar o que ela guarda e seguir. há coisas que só fazem sentido com o tempo, e outras que simplesmente não fazem sentido algum — e tudo bem. a sensação de estar à deriva não significa estar perdida, mas livre. livre para flutuar, para redescobrir o ritmo da própria respiração, para ouvir o próprio silêncio sem pressa de encontrar terra firme. porque, no fim, talvez a gente não precise tanto de respostas, mas de coragem para permanecer em movimento, mesmo sem um destino claro.
som das chaves preenchia o silêncio do corredor, uma melodia metálica que, apesar de simples, carregava uma estranha familiaridade. era um som que pertencia a todos, mas também a ninguém. o tilintar era quase um anúncio: alguém chegava, ou talvez estivesse prestes a partir. a minha partiu. pelo menos, a que eu achava que tinha. cada chave, com seu peso distinto, traz consigo uma promessa de abrir um mundo, de oferecer acesso a algo que estava além daquela porta – segurança, pertencimento, ou talvez mistério.
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